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quinta-feira, 14 de março de 2013

O menino do pijama listrado- Capítulo 5 - Proibido entrar em todos os momentos sem exeção

Só havia uma coisa a fazer, e era falar com o pai.
O pai não viera de Berlim no mesmo carro que eles naquela manhã. Ele tinha vindo alguns dias antes, na noite daquele mesmo dia em que Bruno havia chegado em casa e encontrado Maria remexendo nas suas coisas, até mesmo as coisas que ele escondera no fundo e que pertenciam somente a ele e não eram da conta de mais ninguém. Durante os dias que se seguiram, a mãe, Gretel, Maria, o cozinheiro, Lars e Bruno passaram todo o tempo empacotando seus pertences e carregando-os num grande caminhão para que fossem trazidos até a nova casa em Haja-Vista.
Foi nessa manhã final, na qual a casa parecia vazia e tão diferente do lar de antes, que as últimas coisas que lhes pertenciam foram metidas em malas, e um carro oficial com bandeiras vermelhas e negras na parte da frente estacionou diante da porta para levá-los embora.
A mãe, Maria e Bruno foram os últimos a deixar a casa, e Bruno acreditou que a mãe não tinha percebido a governanta ainda de pé junto a eles, porque, ao lançarem um último olhar para a sala vazia onde haviam passado tantos momentos felizes, para o lugar onde ficava a árvore de Natal, onde os guarda-chuvas molhados eram depositados durante os meses de inverno, e para o lugar onde Bruno deveria deixar os sapatos enlameados ao chegar em casa, coisa que nunca fazia, a mãe balançou a cabeça e disse algo muito estranho. “Nunca deveríamos ter recebido o Fúria para o jantar”, ela disse. “Certas pessoas e a sua determinação em progredir na carreira.”
Assim que disse isso, ela se voltou, e Bruno pôde ver que havia lágrimas em seus olhos, mas ela deu um salto quando viu Maria ali, observando-a.
“Maria”, disse ela, numa voz transtornada. “Pensei que estivesse no carro.”
“Eu já estava de saída, madame”, disse Maria.
“Eu não quis dizer...”, começou a mãe, antes de balançar a cabeça e repensar o que ia dizer. “Eu não quis sugerir a idéia de que...”
Eu já estava de saída, madame”, repetiu Maria, que aparentemente não sabia a regra de não interromper a mãe, e logo saiu pela porta e correu na direção do carro.
A mãe franziu o cenho, mas depois deu de ombros, como se nada daquilo importasse mais, fosse como fosse. “Vamos então, Bruno”, ela disse, tomando a mão dele e trancando a porta às suas costas. “Só nos resta torcer para que um dia voltemos aqui, depois de tudo isto acabar.”
O carro oficial com as bandeiras sobre o capô os levara até uma estação de trem, na qual havia dois trilhos separados por uma plataforma ampla, e em ambos os lados havia um trem esperando pelo embarque dos passageiros. Por causa do grande número de soldados marchando do outro lado, para não falar no fato de que havia uma longa cabana pertencente ao sinaleiro separando os trilhos, Bruno não pôde ver muito da multidão que lá estava, antes de embarcar junto com a família num vagão muito confortável, que trazia poucos outros passageiros, cheio de bancos vazios e ar fresco quando as janelas era abertas. Se os trens seguissem em direções diferentes, ele pensou, não pareceria estranho, porém não era o caso: estavam ambos apontados para o leste. Por um instante ele pensou em correr pela plataforma avisando aquelas pessoas dos assentos livres no seu vagão, mas mudou de idéia, pois algo lhe dizia que, se aquilo não deixasse a mãe brava, provavelmente enfureceria Gretel, o que seria ainda pior.
Desde que chegaram a Haja-Vista e à casa nova, Bruno não vira o pai. Pensou que talvez ele estivesse em seu quarto quando a porta rangeu e se abriu, mas, afinal, se tratava apenas do soldado pouco amigável que encarara Bruno sem nenhum calor nos olhos. Ele não ouvira a potente voz do pai em parte alguma, nem mesmo os pesados passos de suas botas contra as tábuas do assoalho no andar de baixo. Mas era certo que havia pessoas indo e vindo, e, enquanto pensava no que seria melhor fazer, escutou uma grande agitação subindo do térreo, e foi até o corredor para se debruçar sobre o corrimão.
Lá embaixo ele viu a porta do escritório do pai aberta e um grupo de cinco homens de pé do lado de fora, gargalhando e apertando-se as mãos. O pai estava no meio deles e parecia muito importante no uniforme recém-passado. O cabelo escuro e espesso fora obviamente penteado com brilhantina havia pouco, e, enquanto os observava de cima, Bruno se sentia ao mesmo tempo assustado e maravilhado com a presença do pai. Aos seus olhos, os outros homens não pareciam tão bonitos quanto o pai. Nem os seus uniformes eram tão alinhados quanto o dele. Tampouco as suas vozes eram tão profundas, nem as botas tão reluzentes. Todos traziam os quepes sob o braço e pareciam disputar entre si a atenção de seu pai. Bruno só conseguiu entender algumas das frases da conversa conforme se aproximavam dele.
“... cometeu erros desde o momento em que pôs os pés aqui. A coisa chegou ao ponto em que o Fúria não teve escolha senão...”, disse um deles.
“... disciplina!”, disse outro. “E eficiência. A eficiência nos falta desde 42 e sem isso...”
“... fica claro, os números não deixam mentir. É claro, comandante...”, disse o terceiro.
“... e se construirmos mais um”, disse o último, “imagine o que poderíamos conseguir... Imagine...!”
O pai ergueu uma mão no ar, o que imediatamente fez com que os outros se calassem. Era como se ele fosse o regente de um quarteto de barbearia.
“Senhores”, ele disse, e desta vez Bruno pôde compreender cada palavra, pois jamais houvera um homem tão capaz de ser ouvido de um lado ao outro do cômodo quanto o pai. “As suas sugestões e o seu apoio são muito bem-vindos. E o passado é o passado. Aqui temos a oportunidade de um novo começo, mas este começo fica para amanhã. Agora, é melhor eu ajudar minha família a se instalar, ou haverá tanta encrenca para mim aqui dentro quanto há para eles lá fora, compreendem?”
Os homens soltaram uma gargalhada e apertaram a mão do pai. Ao sair, formaram juntos uma fila, como soldados de brinquedo, e os braços se projetaram para a frente na mesma saudação que o pai havia ensinado a Bruno, a palma estendida, vinda do peito em direção ao ar em frente a eles num movimento brusco, enquanto gritavam as duas palavras que Bruno fora ensinado a repetir, sempre que alguém as dissesse para ele. Então os homens foram embora e o pai voltou ao escritório, no qual era Proibido Entrar em Todos os Momentos Sem Exceção.
Bruno desceu lentamente as escadas e hesitou durante um instante à porta. Ele se ressentia de o pai não ter subido para dizer oi desde que chegara, mas há haviam lhe explicado em diversas ocasiões o quanto o pai era ocupado, que ele não podia ser incomodado com coisas como vir falar oi para o filho o tempo todo. Mas os soldados já tinham ido embora e ele achou que não haveria problema em bater na porta.
Ainda em Berlim, Bruno só estivera no escritório do pai em raras ocasiões, e em geral era porque tinha se comportado mal e precisava de uma conversa séria. Mesmo assim, a regra que se aplicava ao escritório em Berlim era uma das mais importantes que já tinha aprendido, e Bruno não era tolo a ponto de pensar que a regra não se aplicaria igualmente aqui em Haja-Vista. Mas como já havia alguns dias que eles não se encontravam, o menino pensou que ninguém se importaria se ele batesse na porta agora.
E então ele bateu cuidadosamente na porta. Duas vezes, bem fraco.
Talvez o pai não tivesse escutado, talvez Bruno não tivesse batido forte o bastante, mas o fato é que ninguém veio até a porta, e então Bruno bateu de novo, e desta vez com mais força, e ao fazê-lo ouviu a voz retumbante vinda lá de dentro: “Entre!”.
Bruno girou a maçaneta e entrou no cômodo, adotando sua típica pose de olhos arregalados, a boca em formato de um O e os braços estendidos pendendo ao lado do corpo. O resto da casa podia ser um pouco escuro e melancólico e bastante limitado nas suas possibilidades de exploração, mas aquele cômodo era outra história. Para começar, o pé-direito era muito alto e sobre o assoalho havia um carpete no qual Bruno pensou que poderia afundar. As paredes mal eram visíveis; estavam cobertas de prateleiras de mogno escuro, repletas de livros, como aqueles que ficavam na biblioteca da casa de Berlim. Havia janelas enormes na parede diante dele, e no centro de tudo isso, sentado atrás de uma grande escrivaninha de carvalho, estava o pai, que ergueu os olhos de seus papéis quando Bruno entrou e abriu um largo sorriso.
“Bruno”, ele disse, saindo de trás da mesa e cumprimentando o garoto com um sólido aperto de mão, pois o pai não era do tipo que abraça as pessoas, ao contrário da mãe e da avó, que pareciam distribuir abraços com uma freqüência grande demais, completando o serviço com beijos melados. “Meu menino”, acrescentou ele após um instante.
“Olá, papai”, disse Bruno em voz baixa, um pouco estupefato pelo esplendor do cômodo.
“Bruno, eu estava indo lá em cima para vê-lo dentro de mais alguns minutos, juro que estava”, disse o pai. “Só precisava terminar a reunião e redigir uma carta. Vejo que vocês chegaram bem, não?”
“Sim, papai”, disse Bruno.
“Ajudou sua mãe e sua irmã a fechar a casa antiga?”
“Sim, papai”, disse Bruno.
“Então, eu estou orgulhoso de você”, disse o pai num tom de aprovação. “Sente-se, menino.”
Ele indicou uma ampla cadeira em frente à escrivaninha e Bruno escalou-a, com os pés próximos ao chão, mas sem tocá-lo, enquanto o pai retornava à sua cadeira atrás da escrivaninha para encará-lo. Eles não disseram nada um ao outro por um instante, até que finalmente o pai quebrou o silêncio.
“E então?”, perguntou ele. “O que acha?”
“O que eu acho?”, perguntou Bruno. “O que eu acho a respeito do quê?”
“A nossa nova casa. Gosta dela?”
“Não”, disse Bruno rapidamente, pois sempre tentava ser honesto e sabia que, se hesitasse mesmo que por um momento, não teria mais coragem de dizer o que pensava. “Acho que nós devíamos ir para casa”, acrescentou, destemido.
O sorriso do pai diminuiu um pouco e ele lançou o olhar sobre a carta por um instante antes de erguer os olhos novamente, como se quisesse pensar com cuidado na resposta. “Bem, estamos em casa, Bruno”, disse por fim numa voz gentil. “Haja-Vista é a nossa nova casa.”
“Mas quando poderemos voltar a Berlim?”, pergunta Bruno, com o coração apertado após a resposta do pai. “Lá é muito mais gostoso.”
“Ora, vamos”, disse o pai, não querendo entrar naquele jogo. “Deixe disso, está bem?”, pediu ele. “Nossa casa não é uma construção, ou uma rua, ou uma cidade, ou coisa alguma tão artificial quanto os tijolos e a argamassa. O lar é onde mora a família de alguém, não é mesmo?”
“Sim, mas...”
“E a nossa família está aqui, Bruno. Em Haja-Vista. Ergo, este é o nosso lar.”
Bruno não entendeu o que significava ergo, mas não precisava entender, pois tinha uma resposta inteligente para o pai. “Mas o vovô e a vovó estão em Berlim”, ele disse. “E os dois são parte da nossa família. Então, aqui não pode ser o nosso lar.”
O pai ponderou sobre isso e acenou com a cabeça. Esperou um longo tempo antes de responder. “É verdade, Bruno, eles estão lá. Mas você, e eu, e a mamãe e Gretel somos as pessoas mais importantes da nossa família, e é aqui que moramos agora. Em Haja-Vista. Agora pare de ficar emburrado por causa disso! (pois Bruno estava fazendo uma cara deliberadamente emburrada). Você nem mesmo deu uma chance a este lugar. É capaz de gostar daqui.”
“Eu não gosto daqui”, insistiu Bruno.
“Bruno...”, disse o pai com a voz cansada.
“Karl não está aqui e nem Daniel e nem Marin, e não há outras casas nas redondezas e nada de bancas de frutas e legumes nem ruas e cafés com as mesas postas do lado de fora, e ninguém para nos empurrar de poste em poste nas tardes de sábado.”
“Bruno, às vezes há coisas na vida que temos de fazer e não temos escolha a respeito delas”, disse o pai, e Bruno percebeu que ele estava se cansando daquela conversa. “E eu temo que esta seja uma dessas coisas. Este é o meu trabalho, um trabalho importante. Importante para o nosso país. Importante para o Fúria. Algum dia você entenderá.”
“Eu quero ir para casa”, disse Bruno. Ele sentia as lágrimas se acumulando nos olhos, e o que mais queria era que o pai percebesse quão horrível era aquele tal de Haja-Vista e concordasse que era hora de ir embora.
“Você precisa entender que já está em casa”, disse ele em vez disso, desapontando Bruno. “E assim será pelo futuro previsível.”
Bruno fechou os olhos por um instante. Tinham sido poucas as ocasiões em sua vida nas quais estivera tão determinado a conseguir o que queria, e certamente ele jamais se dirigira ao pai com tamanho desejo de que este mudasse de idéia a respeito de alguma coisa, mas a noção de que teriam de ficar lá, morando um lugar tão horrível onde não havia mais ninguém para brincar, tudo aquilo era demais par a cabeça do menino. Quando abriu os olhos, um momento depois, o pai havia saído de trás da escrivaninha e se acomodara numa poltrona ao seu lado. Bruno o observou abrir uma caixa de prata, retirar um cigarro e bate-lo contra a mesa antes de o acender.
“Eu me lembro de quando era criança”, disse o pai, “lembro que havia certas coisas que eu não queria fazer, mas quando meu pai dizia que seria melhor para todos se eu obedecesse, eu simplesmente seguia em frente e fazia o que tinha de ser feito.”
“Que tipos de coisas eram essas?”, perguntou Bruno.
“Ah, eu não sei”, disse o pai, dando de ombros. “Não era nada demais. Eu era apenas uma criança e não sabia o que era o melhor a fazer. Às vezes, por exemplo, eu não queria ficar em casa e terminar a lição; queria sair pelas ruas, brincando com meus amigos, assim como você, e hoje eu olho para trás e vejo como eu era tolo.”
“Então você sabe como eu me sinto”, disse Bruno, esperançoso.
“Sim, mas eu também sabia que o meu pai, seu avô, sabia o que era melhor para mim e que eu seria sempre mais feliz se simplesmente aceitasse isso. Acha que eu teria sido tão bem-sucedido na vida se não tivesse aprendido quando é hora de discutir e quando é hora de ficar com a boca fechada e seguir ordens? E então, Bruno? O que você acha?”
Bruno olhou ao redor. Seu olhar se deteve na janela que ficava no canto do cômodo, e, através dela, ele podia ver a paisagem desoladora para além do vidro.
“Você fez alguma coisa errada?”, perguntou ele após um instante. “Alguma coisa que deixou o Fúria bravo?”
“Eu?”, disse o pai, olhando surpreso para ele. “O que você quer dizer?”
“Fez alguma coisa ruim no trabalho? Eu sei que todos dizem que você é um homem importante e que o Fúria tem em mente grandes coisas reservadas a você, mas não acho que ele o enviaria para um lugar como este se você não tivesse feito alguma coisa pela qual ele quisesse castigá-lo.”
O pai riu, o que deixou Bruno ainda mais triste; nada o deixava mais bravo do que quando um adulto ria dele por não saber alguma coisa, especialmente quando ele estava tentando descobrir a resposta fazendo perguntas.
“Você não compreende o significado de uma posição como esta”, disse o pai.
“Bem, eu não acho que você tenha feito um bom trabalho, se isso significa ter de nos mudar da nossa bela casa e para longe de nossos amigos e vir morar num lugar tão horrível quanto este. Acho que você deve ter feito alguma coisa errada e talvez seja melhor pedir desculpas ao Fúria, e, quem sabe, isso encerre a questão. Talvez ele o perdoe, se você for bem sincero nos eu pedido.”
As palavras saíram antes que ele pudesse pensar se eram razoáveis ou não; depois de ouvi-las flutuando no ar, elas não pareceram o tipo de coisa que ele deveria dizer ao pai, mas lá estavam elas, já ditas, e não havia nada que pudesse fazer para retirá-las. Bruno engoliu em seco e, após alguns momentos de silêncio, olhou para o pai, que o encarava com o olhar pétreo. Bruno lambeu os lábios e desviou os olhos. Ele sentiu que seria má idéia olhar o pai nos olhos.
Depois de alguns minutos silenciosos e desconfortáveis, o pai se ergueu lentamente da poltrona ao seu lado e voltou para trás da escrivaninha, deixando o cigarro no cinzeiro.
“Eu me pergunto se você está sendo muito corajoso”, ele disse em voz baixa após um momento, como se estivesse remoendo o problema na cabeça, “em vez de simplesmente desrespeitoso. Talvez não seja uma coisa tão ruim, afinal.”
“Eu não quis dizer...”
“Mas agora você ficará em silêncio”, disse o pai, elevando a voz e interrompendo-o, porque nenhuma das regras que normalmente se aplicavam à vida familiar valia para ele. “Eu tive grande consideração pelos seus sentimentos neste caso, Bruno, porque sei que esta mudança é difícil para você. E escutei o que você tinha a dizer, muito embora a sua juventude e a falta de experiência o obriguem a formular as coisas de maneira tão insolente. E você reparou que eu não reagi a nada disso. Mas é chegado o momento de você simplesmente aceitar o fato de que...”
“Eu não quero aceitar nada!”, gritou Bruno, piscando surpreso, pois não sabia que iria pronunciar aquelas palavras em voz alta. (Foi de fato uma enorme surpresa para ele.) Ele ficou um pouco nervoso e se preparou para fugir correndo caso fosse necessário. Mas nada parecia irritar o pai naquele dia – e se Bruno fosse honesto, teria de admitir que raramente o pai ficava bravo; ele ficava quieto e distante e sempre conseguia o que queria no fim das contas -, e, em vez de gritar com ele ou persegui-lo pela casa, ele apenas balançou a cabeça e indicou que a conversa havia chegado ao fim.
“Vá para o seu quarto, Bruno”, disse ele numa voz tão baixa que o menino soube imediatamente que ele falava sério agora, e então se levantou, as lágrimas de frustração se formando nos seus olhos. Ele caminhou na direção da porta, mas, antes de abri-la, voltou-se para o pai e fez uma última pergunta.
“Pai?”, começou ele.
“Bruno, eu não vou...”, começou o pai, irritado.
“Não é isso”, disse Bruno rapidamente. “Eu só quero fazer uma outra pergunta.”
O pai suspirou, mas indicou que ele deveria fazê-la e, então, seria o fim daquele assunto, sem mais discussões.
Bruno pensou sobre a pergunta, procurando formulá-la com precisão desta vez, para que não soasse mal-educada ou pouco colaborativa. “Quem são todas aquelas pessoas do lado de fora?”, disse ele finalmente.
O pai inclinou a cabeça para a esquerda, parecendo um pouco confuso por causa da pergunta. “São soldados, Bruno”, disse ele. “E secretários. Empregados do gabinete. Você já os viu antes, é claro.”
“Não estou falando deles”, disse Bruno. “Quero saber daquelas pessoas que eu vejo da minha janela. As que moram nas cabanas, lá longe. Estão todas com as mesmas roupas.”
“Ah, aquelas pessoas”, disse o pai, acenando com a cabeça e sorrindo levemente. “Aquelas pessoas... Bem, na verdade elas não são pessoas, Bruno.”
Bruno franziu o cenho. “Não são?”, perguntou ele, sem saber o que o pai queria dizer com aquilo.
“Bem, não são pessoas no sentido em que entendemos o termo”, prosseguiu o pai. “Mas você não deve ser preocupar com elas agora. Elas não têm nada a ver com você. Não há nada em comum entre você e elas. Apenas adapte-se à nova casa e comporte-se bem, é tudo o que eu peço. Aceite a situação na qual você se encontra e tudo ficará muito mais fácil.”
“Está bem, papai”, disse Bruno, insatisfeito com a resposta.
Ele abriu a porta e o pai o chamou de volta por mais um instante, levantando-se e erguendo uma sobrancelha como se o menino tivesse esquecido alguma coisa. Bruno lembrou-se assim que o pai fez o sinal, e disse a frase e o imitou com exatidão.
Ele juntou os pés e ergueu o braço direito no ar antes de bater um calcanhar no outro e dizer numa voz tão profunda e clara quanto possível – tão parecida com a do pai quanto ele conseguia fazer – as palavras que dizia sempre que saía da presença de um soldado.
“Heil Hitler”, disse, o que Bruno presumia ser outra forma de dizer: “Bem, até logo, tenha uma boa tarde”.

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