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quarta-feira, 13 de março de 2013

A Cabana- Capítulo 12 – Na barriga das feras

Os homens jamais fazem o mal tão completamente
e com tanta alegria como quando o fazem a partir
de uma convicção religiosa.
— Blaise Pascal

Assim que abolimos Deus, o governo se torna
Deus.
— G. K . Chesterton

Enquanto seguia pela trilha em direção ao lago, Mack
percebeu subitamente que faltava alguma coisa. Sua companheira
constante, a Grande Tristeza, havia sumido. Era como se tivesse
sido lavada na névoa da cachoeira enquanto ele emergia por baixo
da cortina d'água. A ausência era estranha, talvez até
desconfortável. Nos anos anteriores ela havia definido para ele o
que era um estado normal, mas agora tinha desaparecido
inesperadamente. "O normal é um mito", pensou.
A Grande Tristeza não faria mais parte de sua identidade.
Agora sabia que Missy não se importaria se ele se recusasse a usála.
Na verdade, sua filha não iria querer que o pai se envolvesse
naquela mortalha e certamente sofreria se ele fizesse isso. Tentou
imaginar quem ele passaria a ser, agora que estava se soltando de
tudo aquilo — começar cada dia sem a culpa e o desespero que
haviam sugado de todo as cores da vida.
Enquanto entrava na clareira, viu Jesus esperando, ainda
jogando pedras.
— Ei, acho que o máximo que consegui foram 13 ricochetes
— disse ele rindo e vindo ao encontro de Mack. — Mas Tyler
conseguiu três a mais do que eu, e Josh jogou uma pedra que
ricocheteou para tão longe que a perdemos de vista. — Enquanto
se abraçavam, Jesus acrescentou: — Você tem filhos especiais,
Mack. Você e Nan os amaram muito bem. Kate está lutando, como
você sabe, mas ainda não terminamos.
A tranqüilidade e a intimidade com que Jesus falava de seus
filhos tocou-o profundamente.
— Então eles foram embora?
Jesus desfez o abraço e assentiu.
— É, de volta para os sonhos, menos Missy, claro.
— Ela...? — começou Mack.
— Ela ficou felicíssima por estar tão perto de você e ficou
empolgada em saber que você está melhor.
Mack lutou para manter a compostura. Jesus entendeu e
mudou de assunto.
— Como foi o tempo que você passou com Sophia?
— Sophia? Ah, então é ela! — exclamou Mack. E uma
expressão perplexa surgiu em seu rosto. — Mas quer dizer que
vocês são quatro? Ela é Deus também?
Jesus riu.
— Não, Mack. Somos apenas três. Sophia é uma
personificação da sabedoria de Papai.
— Ah, como nos Provérbios, onde a Sabedoria é representada
como uma mulher chamando nas ruas, tentando encontrar alguém
que a escute?
— Ela mesma.
— Mas — Mack parou enquanto se abaixava para desamarrar
os cadarços dos sapatos — ela pareceu tão real!
— Ah, ela é bastante real. — Em seguida Jesus olhou ao
redor, como se quisesse ver se alguém estava observando, e
sussurrou: — Ela é parte do mistério que cerca Sarayu.
— Adoro Sarayu — exclamou Mack enquanto se levantava,
meio surpreso com sua própria transparência.
— Eu também! — declarou Jesus com ênfase. Os dois
voltaram à margem e ficaram olhando em silêncio para o outro
lado do lago.
— Foi terrível e maravilhoso o tempo que passei com Sophia.
— Mack finalmente respondeu à pergunta que Jesus havia feito.
Subitamente percebeu que o sol ainda estava alto no céu. —
Exatamente quanto tempo estive lá?
— Menos de 15 minutos, de modo que não foi muito. —
Diante do olhar de perplexidade de Mack, Jesus acrescentou: — O
tempo passado com Sophia não é como o tempo normal.
— Hã — grunhiu Mack. — Duvido que qualquer coisa com ela
seja normal.
— Na verdade — Jesus começou a falar mas parou para jogar
uma última pedra ricocheteando na água —, com ela tudo é
normal e de uma simplicidade elegante. Como você está tão
perdido e independente, acaba achando que até a simplicidade
dela é profunda.
— Então eu sou complexo e ela é simples. Uau! Meu mundo
está mesmo de cabeça para baixo. — Mack já se sentara num
tronco e estava tirando os sapatos e as meias para a caminhada.
— Pode me dizer uma coisa? Estamos no meio do dia, e meus
filhos estiveram aqui em sonhos? Como isso funciona? Alguma
coisa disso tudo é real? Ou só estou sonhando também?
De novo Jesus riu.
— Não pergunte como tudo isso funciona, Mack. São coisas
de Sarayu. O tempo, como você sabe, não representa fronteiras
para Aquele que o criou. Você pode perguntar a ela, se quiser.
— Não, acho que vou deixar isso esperando. Só fiquei curioso.
— Mack deu um risinho.
— Você perguntou se "alguma coisa disso tudo é real". Muito
mais do que você pode imaginar. — Jesus parou um momento
para captar toda a atenção de Mack. — O melhor seria perguntar:
"O que é real?"
— Estou começando a pensar que não faço idéia.
— Tudo isso seria menos "real" se estivesse dentro de um
sonho?
— Acho que eu ficaria desapontado.
— Por quê? Mack, há muito mais coisas acontecendo aqui do
que você tem condições de perceber. Deixe-me garantir: tudo isso é
real, muito mais real do que a vida que você conhece.
Mack hesitou, mas depois decidiu se arriscar e perguntou:
— Há uma coisa que ainda me incomoda com relação a
Missy.
Jesus veio e sentou-se no tronco ao lado dele. Mack inclinouse
e pôs os cotovelos nos joelhos, olhando para as pedrinhas perto
dos pés. Por fim, disse:
— Eu fico pensando nela, sozinha naquela picape, tão
aterrorizada...
Jesus colocou a mão sobre o ombro de Mack e o apertou.
Falou gentilmente:
— Mack, ela jamais esteve sozinha. Eu nunca a deixei. Nós
não a deixamos sequer por um instante. Eu não poderia
abandoná-la, nem você, assim como não poderia abandonar a mim
mesmo.
— Ela sabia que você estava lá?
— Sim, Mack, sabia. No princípio, não. O medo era
avassalador e ela estava em estado de choque. Demorou horas
para chegar do acampamento até aqui. Mas, quando Sarayu se
enrolou ao redor dela, Missy se acalmou. A viagem longa nos deu
chance de conversar.
Mack estava tentando apreender tudo aquilo. Não se sentia
mais capaz de falar.
— Missy podia ter apenas 6 anos, mas nós somos amigos.
Nós conversamos. Ela não tinha idéia do que iria acontecer. Na
verdade, estava mais preocupada com você e com as outras
crianças, sabendo que vocês não poderiam encontrá-la. Ela rezou
por vocês, pela sua paz.
Mack chorou, lágrimas novas rolando pelo rosto. Dessa vez
não se importou. Jesus puxou-o gentilmente e o abraçou.
— Mack, não creio que você queira saber todos os detalhes.
Tenho certeza de que eles não vão ajudá-lo. Mas posso dizer que
não houve um momento em que não estivéssemos com ela. Missy
conheceu minha paz, e você ficaria orgulhoso, porque ela foi muito
corajosa!
As lágrimas escorriam soltas, mas Mack notava que agora era
diferente. Não estava mais sozinho. Sem qualquer
constrangimento, chorou no ombro daquele homem que
ele aprendera a amar. A cada soluço, sua tensão ia se esvaindo,
substituída por um profundo sentimento de alívio. Por fim respirou
fundo e soltou o ar enquanto levantava a cabeça.
Então, sem dizer mais nenhuma palavra, levantou-se,
pendurou os sapatos no ombro e simplesmente entrou na água.
Ficou um pouco surpreso quando seu primeiro passo encontrou o
fundo do lago abaixo dos tornozelos, mas não se importou. Parou,
enrolou as pernas da calça acima dos joelhos e deu mais um passo
na água gelada. A água chegou até o meio das canelas e, no passo
seguinte, logo abaixo dos joelhos. Olhou para trás e viu Jesus
parado na margem com os braços cruzados diante do peito,
olhando-o.
Mack virou-se e olhou para a margem oposta. Não sabia por
que dessa vez não tinha funcionado, mas decidiu continuar
tentando. Jesus estava ali, por isso ele não tinha com que se
preocupar. A perspectiva de nadar por um espaço longo e gelado
não era nada empolgante, porém Mack tinha certeza de que
conseguiria atravessar se fosse necessário.
Felizmente, quando deu o próximo passo, em vez de afundar
mais ainda, subiu um pouco e, a cada passo seguinte, subiu mais,
até estar de novo andando sobre a água. Jesus se reuniu a ele e os
dois continuaram em direção à cabana.
— Isso sempre funciona melhor quando a gente faz junto, não
acha? — perguntou Jesus, sorrindo.
— Estou vendo que ainda tenho mais coisas para aprender.
— Mack devolveu o sorriso.
Pouco importava que tivesse de atravessar o lago a nado ou
andar sobre a água, por mais maravilhoso que isso fosse. O que
importava era ter Jesus ao seu lado. Talvez estivesse começando a
confiar nele.
— Obrigado por estar comigo, por falar comigo sobre Missy.
Na verdade, não tenho falado sobre esse assunto com ninguém. É
uma história apavorante demais. Agora já não está com a mesma
força.
— A escuridão esconde o verdadeiro tamanho dos medos, das
mentiras e dos arrependimentos — explicou Jesus. — A verdade é
que eles são mais sombra do que realidade, por isso parecem
maiores no escuro. Quando a luz brilha nos lugares onde eles
vivem no seu interior, você começa a ver o que são realmente.
— Mas por que nós mantemos toda essa porcaria lá dentro?
— Porque acreditamos que ela está mais segura ali. E
algumas vezes, quando você é uma criança tentando sobreviver,
ela fica realmente mais segura no seu interior. Depois você cresce
por fora, mas por dentro ainda é aquela criança na caverna escura,
rodeada por monstros, e, como se habituou, continua aumentando
sua coleção. Todos colecionamos coisas de valor, sabe?
Isso fez Mack sorrir. Sabia que Jesus estava se referindo a
algo que Sarayu havia dito sobre colecionar lágrimas.
— Então como é que isso muda para alguém que está perdido
no escuro como eu?
— Na maioria das vezes, muito devagar. Lembre-se, você não
pode fazer isso sozinho. Algumas pessoas tentam todo tipo de
mecanismos de enfrentamento e de jogos mentais. Mas os
monstros continuam lá, só esperando a chance de sair.
— O que faço agora, então?
— O que já está fazendo, Mack: aprendendo a viver sendo
amado. Não é um conceito fácil para os humanos. Você tinha
dificuldade para compartilhar qualquer coisa. — Deu um risinho e
continuou: — Portanto, sim, o que desejamos é que você "re-torne"
para nós.
Então iremos fazer nossa casa dentro de você e vamos
compartilhar. A amizade é real e não meramente imaginada. Nós
fomos destinados a experimentar esta vida, a sua vida, juntos,
num diálogo, compartilhando a jornada. Você passa a
compartilhar nossa sabedoria e aprender a amar com nosso amor,
e nós... ouvimos você resmungar, se afligir, reclamar e...
Mack riu alto e empurrou Jesus de lado.
— Pare! — gritou Jesus e se imobilizou. A princípio Mack
achou que poderia tê-lo ofendido, mas Jesus estava olhando
atentamente para a água. — Você viu? Olhe, aí vem de novo.
— O quê? — Mack chegou mais perto e protegeu os olhos na
tentativa de ver o que Jesus estava olhando.
— Olhe! Olhe! — falou Jesus, meio que sussurrando. — É
uma beleza! Deve ter uns 60 centímetros!
E então Mack viu uma enorme truta do lago deslizando a
apenas uns 50 ou 60 centímetros abaixo da superfície, sem notar a
agitação que estava provocando acima.
— Estive tentando pegá-la durante semanas e aí ela vem, só
para me provocar. — Ele riu.
Mack ficou olhando, pasmo, enquanto Jesus começava a
saltar para um lado e para outro, tentando acompanhar o peixe.
Finalmente desistiu e olhou para Mack, empolgado como um
menininho. — Não é fantástica? Provavelmente nunca vou
conseguir pegá-la.
Mack ficou perplexo com aquela cena.
— Jesus, por que simplesmente não ordena que ela... não
sei... pule no seu barco ou morda seu anzol? Você não é o Senhor
da Criação?
— Claro — disse Jesus, abaixando-se e passando a mão
sobre a água. — Mas qual seria a diversão, hein? — Ele ergueu os
olhos e riu.
Mack não sabia se ria ou chorava. Percebia o quanto havia
passado a amar aquele homem, aquele homem que também era
Deus.
Jesus se levantou de novo e juntos continuaram andando
para o cais. Mack se aventurou de novo:
— Se é que posso perguntar, por que você não me falou sobre
Missy antes? Por exemplo, ontem à noite, ou há um ano, ou...
— Não pense que não tentamos. Você já notou que, em sua
dor, presume sempre o pior a meu respeito? Estive falando com
você durante longo tempo, mas hoje foi a primeira vez que você
pôde ouvir. Não pense que todas aquelas outras ocasiões foram
um desperdício. Como pequenas rachaduras na parede, uma de
cada vez, mas entrelaçadas, elas o prepararam para hoje. É preciso
demorar um tempo preparando o solo se quiser que ele acolha a
semente.
— Não sei por que resistimos a isso, por que resistimos tanto
a você. Agora parece meio idiota.
— Tudo tem a ver com o momento da graça, Mack. Se
houvesse apenas um ser humano no universo, o sentido de tempo
seria bastante simples. Mas acrescente apenas mais um e, bem,
você conhece a história. Cada escolha cria ondulações ao longo do
tempo e dos relacionamentos, ricocheteando em outras escolhas.
E, a partir do que parece uma confusão enorme, Papai tece uma
tapeçaria magnífica. Só Papai pode resolver tudo isso e ela o faz
com graça.
— Então acho que tudo que posso fazer é segui-la — concluiu
Mack.
— É, esse é o ponto. Agora você está começando a entender o
que significa ser realmente humano.
Chegaram à extremidade do cais e Jesus saltou nele, virandose
para ajudar Mack. Juntos, sentaram-se na beira e balançaram
os pés descalços na água, olhando os efeitos do vento na superfície
do lago. Mack foi o primeiro a romper o silêncio.
— Eu estava vendo o céu quando vi Missy? Era muito
parecido com isso aqui.
— Bom, Mack, nosso destino final não é a imagem do Céu
que você tem na cabeça. Você sabe, a imagem de portões
adornados e ruas de ouro. O Céu é uma nova purificação do
universo, de modo que vai se parecer bastante com isso aqui.
— Então que história é essa de portões adornados e ruas de
ouro?
— Esta, irmão — começou Jesus, deitando-se no cais e
fechando os olhos por causa do calor e da claridade do dia —, é
uma imagem de mim e da mulher por quem sou apaixonado.
Mack olhou para ver se ele estava brincando, mas obviamente
não estava.
— É uma imagem da minha noiva, a Igreja: indivíduos que
juntos formam uma cidade espiritual com um rio vivo fluindo no
meio e nas duas margens, árvores crescendo com frutos que
curam as feridas e os sofrimentos das nações. Essa cidade está
sempre aberta e cada portão que dá acesso a ela é feito de uma
única pérola... — Ele abriu um olho e olhou para Mack. — Isso sou
eu! — Ele percebeu a dúvida de Mack e explicou: — Pérolas, Mack.
A única pedra preciosa feita de dor, sofrimento e, finalmente,
morte.
— Entendi. Você é a entrada, mas... — Mack parou,
procurando as palavras certas. — Você está falando da Igreja
como essa mulher por quem está apaixonado. Tenho quase certeza
de que não conheço essa Igreja. — Ele se virou ligeiramente para o
outro lado. — Não é certamente o lugar aonde eu vou aos
domingos — disse mais para si mesmo, sem saber se era seguro
falar em voz alta.
— Mack, isso é porque você só está vendo a instituição, que é
um sistema feito pelo ser humano. Não foi isso que eu vim
construir. O que vejo são as pessoas e suas vidas,
uma comunidade que vive e respira, feita de todos que me amam, e
não de prédios, regras e programas.
Mack ficou meio abalado ouvindo Jesus falar de "igreja" desse
modo, mas isso não chegou a surpreendê-lo. De fato, foi um alívio.
— Então como posso fazer parte dessa Igreja? Dessa mulher
pela qual você parece estar tão apaixonado?
— É simples, Mack. Tudo só tem a ver com os
relacionamentos e com o fato de compartilhar a vida. É exatamente
o que estamos fazendo agora, simplesmente isso, sendo abertos e
disponíveis um para o outro. Minha Igreja tem a ver com as
pessoas e a vida tem a ver com os relacionamentos. Você pode
construí-la. É o meu trabalho e, na verdade, sou bastante bom
nisso — disse Jesus com um risinho.
Para Mack essas palavras foram como um sopro de ar puro!
Simples. Não um monte de rituais exaustivos e uma longa lista de
exigências, nada de reuniões intermináveis com pessoas
desconhecidas. Simplesmente compartilhar a vida.
— Mas espere... — Mack tinha um monte de perguntas
aflorando à sua mente. Talvez tivesse entendido mal. Parecia
simples demais. Por isso pensou duas vezes antes de mexer com o
que estava começando a entender. Fazer seu monte confuso de
perguntas nesse momento seria como jogar um bocado de lama
num pequeno lago de águas límpidas. — Não faz mal — foi tudo
que disse.
— Mack, você não precisa entender tudo. Simplesmente
esteja comigo.
Depois de um momento ele decidiu se juntar a Jesus e
deitou-se de costas ao lado dele, abrigando os olhos do sol para
espiar as nuvens que passavam no início da tarde.
— Bom, para ser honesto — admitiu —, não estou
desapontado, porque nunca me senti atraído pela "rua de ouro".
Sempre achei meio chato. Maravilhoso mesmo é estar aqui com
você.
Um silêncio baixou enquanto Mack absorvia o momento.
Podia ouvir o sussurro do vento acariciando as árvores e o riso do
riacho ali perto derramando-se no lago. O dia estava majestoso e o
cenário era incrível.
— Realmente desejo entender. Quer dizer, acho que o modo
como vocês são é muito diferente de todo o negócio religioso em
que fui criado e com o qual me acostumei.
— Por mais bem-intencionada que seja, você sabe que a
máquina religiosa é capaz de engolir as pessoas! — disse Jesus,
num tom meio cortante. — Uma quantidade enorme das coisas
que são feitas em meu nome não têm nada a ver comigo. E
freqüentemente são muito contrárias aos meus propósitos.
— Você não gosta muito de religião e de instituições? —
perguntou Mack, sem saber se estava fazendo uma pergunta ou
uma afirmação.
— Eu não crio instituições. Nunca criei, nunca criarei.
— E a instituição do casamento?
— O casamento não é uma instituição. É um relacionamento.
— Jesus fez uma pausa e retomou, com a voz firme e paciente: —
Como eu disse, não crio instituições. Essa é uma ocupação dos
que querem brincar de Deus. Portanto, não, não gosto muito de
religiões e também não gosto de política nem de economia. — A
expressão de Jesus ficou notavelmente sombria. — E por que
deveria gostar? É a trindade de terrores criada pelo ser humano
que assola a Terra e engana aqueles de quem eu gosto. Quantos
tormentos e ansiedades relacionados a uma dessas três coisas as
pessoas enfrentam!
Mack hesitou. Não sabia o que dizer. Tudo parecia um pouco
excessivo. Notando que os olhos de Mack estavam ficando
vidrados, Jesus baixou o tom.
— Falando de modo simples, religião, política e economia são
ferramentas terríveis que muitos usam para sustentar suas ilusões
de segurança e controle. As pessoas têm medo da incerteza, do
futuro. Essas instituições, essas estruturas e ideologias são um
esforço inútil de criar algum sentimento de certeza e segurança
onde nada disso existe. É tudo falso! Os sistemas não podem
oferecer segurança, só eu posso.
— Uau! — Era tudo que Mack conseguia pensar. A paisagem
que ele e praticamente todo mundo que ele conhecia haviam
buscado para administrar e orientar a vida estava sendo reduzida
a pouco mais do que entulho. — Então... — Mack ainda estava
processando o que ouvira, sem conseguir grande coisa. — Então?
— Transformou a palavra numa pergunta.
— Eu vim lhes dar a vida na totalidade. Minha vida. — Mack
ainda estava se esforçando para entender. — A simplicidade e a
pureza de desfrutar de uma amizade crescente.
— Ah, entendi!
— Se você tentar viver isso sem mim, sem o diálogo constante
que estabelecemos ao compartilhar esta jornada juntos, será como
tentar andar sobre a água sozinho. Você não pode! E quando
tenta, por mais bem-intencionado que seja, vai afundar. — Apesar
de saber a resposta, Jesus perguntou: — Você já tentou salvar
alguém que estivesse se afogando?
Os músculos de Mack se retesaram instantaneamente. Ele
não gostava de se lembrar de Josh e da canoa, e um sentimento de
pânico subitamente jorrou da lembrança.
— É extremamente difícil resgatar alguém, a não ser que a
pessoa esteja disposta a confiar em você.
— É, sem dúvida.
— É só isso que eu lhe peço. Quando você começar a
afundar, deixe-me resgatá-lo.
Parecia um pedido simples, mas Mack estava acostumado a
ser o salva-vidas e não o afogado.
— Jesus, não sei bem como...
— Deixe-me mostrar. Basta continuar me dando o pouco que
você tem e juntos vamos vê-lo crescer.
Mack começou a calçar as meias e os sapatos.
— Sentado aqui com você, neste momento, não parece tão
difícil. Mas quando penso na minha vida normal, em casa, não sei
como manter o que você sugere. Estou preso na mesma
necessidade de controle que todo mundo tem. Política, economia,
sistemas sociais, contas, família, compromissos... é bastante
esmagador. Não sei como mudar tudo isso.
— Ninguém está pedindo que mude! — disse Jesus com
ternura. — Esta é uma tarefa para Sarayu e ela sabe como fazer
sem agredir ninguém. O importante é saber que tudo é
um processo e não um acontecimento. Só quero que você confie
em mim o pouco que puder e que cresça no amor pelas pessoas ao
seu redor com o mesmo amor que compartilho com você. Não cabe
a você mudá-las nem convencê-las. Você está livre para amar
sem qualquer obrigação.
— É isso que quero aprender.
— É mesmo. — Jesus piscou.
Jesus se levantou, espreguiçou-se e Mack o imitou.
— Quantas mentiras me contaram! — admitiu ele. Jesus
olhou para ele, puxou-o e o abraçou.
— Eu sei, Mack, a mim também. Simplesmente não acreditei
nelas. Juntos, começaram a andar pelo cais. Quando se
aproximavam da margem voltaram a diminuir o passo. Jesus
colocou a mão no ombro de Mack e virou-o gentilmente, até
ficarem cara a cara.
— Mack, o sistema do mundo é o que é. As instituições, as
ideologias e todos os esforços vãos e inúteis da humanidade estão
em toda parte e é impossível deixar de interagir com tudo isso. Mas
eu posso lhe dar liberdade para superar qualquer sistema de poder
em que você se encontre, seja ele religioso, econômico, social ou
político. Você terá uma liberdade cada vez maior de estar dentro ou
fora de todos os tipos de sistemas e de se mover livremente entre
eles. Juntos, você e eu podemos estar dentro do sistema e
não fazer parte dele.
— Mas tanta gente de quem eu gosto parece fazer parte do
sistema! — Mack estava pensando nos amigos, nas pessoas da
igreja que haviam expressado amor por ele e por sua família. Sabia
que elas amavam Jesus, mas que também eram totalmente
vendidas para a atividade religiosa e o patriotismo.
— Mack, eu as amo. E você comete um erro julgando-as.
Devemos encontrar modos de amar e servir os que estão dentro do
sistema, não acha? Lembre-se, as pessoas que me conhecem são
aquelas que estão livres para viver e amar sem qualquer
compromisso.
— É isso que significa ser cristão? — Achou-se meio idiota ao
dizer isso, mas era como se estivesse tentando resumir tudo na
cabeça.
— Quem disse alguma coisa sobre ser cristão? Eu não sou
cristão.
A idéia pareceu estranha e inesperada para Mack e ele não
pôde evitar uma risada.
— Não, acho que não é.
Chegaram à porta da carpintaria. De novo Jesus parou.
— Os que me amam estão em todos os sistemas que existem.
São budistas ou mórmons, batistas ou muçulmanos, democratas,
republicanos e muitos que não votam nem fazem parte de qualquer
instituição religiosa. Tenho seguidores que foram assassinos e
muitos que eram hipócritas. Há banqueiros, jogadores, americanos
e iraquianos, judeus e palestinos. Não tenho desejo de torná-los
cristãos, mas quero me juntar a eles em seu processo para se
transformarem em filhos e filhas do Papai, em irmãos e irmãs, em
meus amados.
— Isso significa que todas as estradas levam a você?
— De jeito nenhum — sorriu Jesus enquanto estendia a mão
para a porta da oficina. — A maioria das estradas não leva a lugar
nenhum. O que isso significa é que eu viajarei por qualquer
estrada para encontrar vocês. — Fez uma pausa. — Mack, tenho
algumas coisas para terminar na carpintaria; encontro você mais
tarde.
— Certo. O que quer que eu faça?
— O que quiser, Mack, a tarde é sua. — Jesus deu-lhe um
tapa no ombro e riu. — Uma última coisa: lembra-se de antes,
quando me agradeceu por tê-lo deixado ver Missy? Foi idéia de
Papai. — Depois de dizer isso ele se virou e acenou por cima do
ombro enquanto entrava na oficina.
Mack soube instantaneamente o que queria fazer e foi para a
cabana, em busca de Papai.

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