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quarta-feira, 13 de março de 2013

A Cabana- Capítulo 15 – Um festival de amigos

"Você pode dizer adeus a sua família e a seus
amigos e afastar-se milhas e milhas e, ao mesmo
tempo, carregá-los em seu coração, em sua mente,
em seu estômago, pois você não apenas vive no
mundo, mas o mundo vive em você."
— Frederick Buechner, Telling The Truth

Quando abriu os olhos, Mack teve de protegê-los
imediatamente de uma luz muito intensa que o ofuscou. Depois
ouviu algo.
— Você vai achar muito difícil olhar diretamente para mim —
disse a voz de Sarayu — ou para Papai. Mas, à medida que sua
mente se acostumar às mudanças, será mais fácil.
Ele estava parado no mesmo lugar onde fechara os olhos,
mas a cabana havia sumido, assim como o cais e a carpintaria.
Estava ao ar livre, no topo de uma pequena colina, sob um
céu noturno brilhante mas sem lua. Podia ver as estrelas em
movimento, tranqüilamente e com precisão, como se houvesse
grandes condutores celestiais coordenando seus movimentos.
Ocasionalmente, como se recebendo um comando, cometas e
chuvas de meteoros rolavam por entre as estrelas, acrescentando
variação à dança. Então Mack viu algumas estrelas crescerem e
mudarem de cor. Era como se o tempo tivesse se tornado dinâmico
e volátil, juntando-se à imagem celestial aparentemente caótica,
mas administrada com precisão.
Ele se virou para Sarayu, que ainda estava ao seu lado.
Apesar de ser difícil olhar diretamente para ela, agora podia
vislumbrar simetria e cores engastadas em padrões, como
se minúsculos diamantes, rubis e safiras tivessem sido costurados
numa roupa de luz que se movia primeiro em ondas e depois se
espalhava em partículas.
— É tudo incrivelmente lindo! — sussurrou ele.
— É verdade. — A voz de Sarayu vinha da luz. — Agora,
Mackenzie, olhe ao redor.
Ele ficou boquiaberto. Mesmo na escuridão da noite, tudo
tinha clareza e brilhava com halos de luz em vários tons e cores.
Embora a floresta estivesse incendiada de luz e cor, cada árvore e
cada folha eram distintamente visíveis. Pássaros criavam uma
trilha de fogo colorido ao voarem se perseguindo. À distância, um
exército da Criação parecia estar a postos: cervos, ursos, cabritos
monteses e alces majestosos desfilavam perto das bordas da
floresta, lontras e castores no lago, cada um luzindo com cores
chamejantes.
Miríades de pequenas criaturas saltavam e voavam por toda
parte, cada uma em sua própria glória.
Num jorro de chamas, uma águia-pescadora mergulhou em
direção à superfície do lago, mas mudou o curso no último
instante e roçou a superfície, com fagulhas caindo como neve nas
águas. Atrás dela, uma grande truta vestida de arco-íris rompeu
a superfície e mergulhou de volta em meio a um borrifo de cores.
Mack sentiu-se maior do que a vida, como se pudesse estar
presente em todas as partes. Dois filhotes de urso brincavam ao pé
da mãe e, de onde estava, Mack, sem pensar, estendeu o braço
para tocá-los. Recolheu-o de volta, espantado ao perceber
que também chamejava. Olhou as mãos maravilhosamente
esculpidas e claramente visíveis dentro da cascata de cores de luz
que parecia cobri-las como luvas. Examinou o resto do corpo e
descobriu que a luz e a cor o envolviam completamente. Uma veste
de pureza que o revestia de liberdade e decência.
Também percebeu que não sentia dor, nem mesmo nas
juntas geralmente doloridas.
Na verdade, nunca havia se sentido tão bem, tão inteiro. Sua
cabeça estava límpida e ele respirava profundamente os perfumes
da noite e das flores.
Uma alegria delirante e deliciosa cresceu por dentro, e ele
flutuou lentamente no ar, retornando suavemente ao chão. "É
como se eu voasse em um sonho", pensou.
Então Mack viu as luzes. Pontos em movimento emergiam da
floresta, convergindo para a campina abaixo onde ele estava com
Sarayu. Agora podia vê-los no alto das montanhas ao redor,
aparecendo e desaparecendo enquanto vinham em sua
direção seguindo caminhos e trilhas invisíveis.
Chegou à campina um exército de crianças. Não havia velas
— elas próprias eram luzes. E, dentro de sua própria
luminosidade, cada uma vestia roupas diferentes que Mack
imaginou que correspondiam a tribos diversas. Eram as crianças
da Terra, os filhos de Papai. Acercaram-se com dignidade e graça
silenciosa, rostos cheios de contentamento e paz, as maiores
segurando as mãos das menores.
Por um momento Mack se perguntou se Missy estaria ali,
mas logo desistiu. Achou que, se estivesse e quisesse ir ao seu
encontro, correria para ele. Agora as crianças haviam formado um
círculo enorme na campina, deixando um caminho aberto a
partir das proximidades de onde Mack estava, bem no centro.
Pequenos jorros de fogo e luz, como flashes fotográficos,
espocavam lentamente, acendendo-se quando as crianças riam ou
sussurravam. Embora Mack não fizesse idéia do que estava
acontecendo, elas obviamente sabiam.
Emergindo na clareira atrás delas e formando outro círculo
de luzes maiores, apareceram adultos cheios de cores brilhantes,
mas discretas.
De repente a atenção de Mack foi atraída por um movimento
incomum. Parecia que um dos seres de luz no círculo externo
estava tendo alguma dificuldade. Clarões e lanças de cor violeta e
marfim saltavam em forma de breves arcos na noite, sendo
substituídos por tons de orquídea, ouro e vermelho flamejante,
jorros ardentes e luminosos de luz que explodiam indo ao encontro
da escuridão ao redor.
Sarayu deu um risinho.
— O que está acontecendo? — sussurrou Mack.
— Há um homem com dificuldade para conter o que está
sentindo. A pessoa que não conseguia se controlar agitava as que
estavam próximas. O efeito de ondulação era claramente visível à
medida que a luz flamejante se estendia até o círculo de crianças.
As mais próximas do instigador pareciam reagir conforme as cores
e luzes fluíam delas para ele. As combinações que emergiam
eram únicas, diferentes da cor daquele que estava provocando a
agitação.
— Ainda não entendo — sussurrou Mack de novo.
— Mackenzie, o padrão de cor e luz é único em cada pessoa;
não há dois iguais, nenhum padrão se repete. Aqui podemos ver
uns aos outros verdadeiramente porque cada personalidade e cada
emoção são visíveis como cor e luz.
— Isso é incrível! — exclamou Mackenzie. — Então por que as
cores das crianças são principalmente brancas?
— Se você se aproximar, verá que elas têm muitas cores
individuais que se fundiram no branco. À medida que elas
amadurecerem e crescerem, as cores irão se tornar mais distintas
e emergirão tons e matizes únicos.
— Incrível! — foi tudo que Mack conseguiu dizer. Olhou com
mais atenção e notou que por trás do círculo de adultos haviam
surgido outros, igualmente espaçados, ao redor de todo o
perímetro. Eram chamas mais altas, aparentemente soprando com
as correntes de ar, e tinham cores semelhantes, de safira e azulágua,
com pedacinhos únicos de outras cores engastados em cada
um.
— Anjos — respondeu Sarayu antes que Mack pudesse
perguntar. — Servidores e guardiões.
— Incrível! — exclamou Mack mais uma vez.
— Há mais, Mackenzie, e isso vai ajudá-lo a entender o
problema que aquele indivíduo está tendo. — Ela apontou na
direção da agitação que continuava, lançando luzes e cores súbitas
e abruptas na direção deles.
— Não somente conseguimos ver a especificidade de cada
pessoa em cor e luz como reagimos também usando cor e luz. Essa
reação é muito difícil de controlar e geralmente não deve ser
contida, como esse homem está tentando. É mais natural deixar
que a reação simplesmente se expresse.
— Não entendo — hesitou Mack. — Está dizendo que
podemos reagir uns aos outros em cores?
— Sim — Sarayu assentiu. — Cada relacionamento entre
duas pessoas é absolutamente único. Por isso você não pode amar
duas pessoas da mesma maneira. Simplesmente não é possível.
Você ama cada pessoa de modo diferente por ela ser quem ela é e
pela especificidade do que ela recebe de você. E quanto mais vocês
se conhecem, mais ricas são as cores desse relacionamento.
Mack escutava ao mesmo tempo que olhava o que acontecia à
volta. Sarayu continuou:
— Vou dar um exemplo para você entender melhor. Suponha,
Mack, que você está com um amigo numa lanchonete. Você está
concentrado no companheiro e, se tiver olhos para ver, perceberá
que os dois estão envolvidos numa variedade de cores e luzes que
marcam não apenas o que cada um é especificamente, mas
também a especificidade do relacionamento entre vocês e das
emoções que estão experimentando.
— Mas... — Mack começou a perguntar e foi interrompido.
— Mas suponha — continuou Sarayu — que outra pessoa
que você ama entre na lanchonete e, embora esteja envolvido pela
conversa com o primeiro amigo, você nota a entrada do outro. De
novo, se você tivesse olhos para ver a realidade mais
ampla, testemunharia que uma combinação única de cor e luz
saltaria de você e se enrolaria no que acabou de chegar,
representando você em outra forma de amá-lo e recebê-lo. Mais
uma coisa, Mackenzie: a especificidade não é somente visual, mas
também sensorial. Você pode sentir, cheirar e até mesmo sentir o
gosto dela.
— Adoro isso! — exclamou Mack. — Mas, a não ser por
aquele lá — apontou na direção das luzes agitadas ao redor do
adulto —, por que todos estão calmos? Eu imaginaria
que houvesse cor por todo lado. Eles não se conhecem?
— A maioria se conhece muito bem, mas estão aqui para uma
comemoração que não tem nada a ver com eles nem com os
relacionamentos de uns com os outros, pelo menos não
diretamente — explicou Sarayu. — Eles estão esperando.
— O quê?
— Você verá logo — respondeu Sarayu e era óbvio que ela não
diria mais nada sobre o assunto.
— Então por que aquele está tendo tanta dificuldade e por
que ele parece concentrado em nós?
— Mackenzie — disse Sarayu com gentileza —, ele não está
concentrado em nós, está concentrado em você.
— O quê? — Mack ficou pasmo.
— Aquele que tem tanta dificuldade para se conter é o seu
pai.
Uma onda de emoções, uma mistura de raiva e anseio varreu
Mack.
Nesse momento as cores de seu pai explodiram da campina e
o envolveram. Ele ficou perdido num jorro de rubi e vermelhão,
magenta e violeta, à medida que a luz e a dor faziam um
redemoinho ao seu redor e o cobriam. E de algum modo, no meio
da tempestade que explodia, ele se viu correndo pela campina para
encontrar o pai, correndo para a fonte de cores e emoções. Era um
menininho querendo o pai e, pela primeira vez, não teve medo.
Estava correndo, sem se importar com coisa alguma além do
objeto do desejo de seu coração, e o encontrou. Seu pai estava de
joelhos, coberto de luz, lágrimas brilhando como uma cachoeira de
diamantes e jóias nas mãos que cobriam o rosto.
— Papai! — gritou Mack e jogou-se para o homem que nem
podia olhar o filho.
No uivo de vento e chamas, Mack segurou o rosto do pai com
as duas mãos, forçando-o a olhá-lo para que pudesse gaguejar as
palavras que sempre quisera dizer: "Papai, desculpe! Papai, eu te
amo!"
A luz de suas palavras pareceu explodir, afastando a
escuridão das cores do pai, transformando-as em vermelhosangue.
Os dois trocaram palavras soluçantes de confissão e
perdão. E um amor maior do que qualquer um dos dois os curou.
Finalmente se levantaram juntos, o pai abraçando o filho
como nunca pudera fazer antes. Foi então que Mack notou a onda
de uma canção passando sobre os dois, como se penetrasse no
lugar sagrado onde ele estava com o pai. Abraçados, incapazes de
falar em meio às lágrimas, eles ouviram a canção de reconciliação
que iluminava o céu noturno. Uma fonte de cor brilhante começou
a jorrar em arco entre as crianças, sobretudo entre as que haviam
sofrido mais, e ondulou ao passar de cada uma para a próxima,
levada pelo vento, até que todo o campo estivesse inundado de luz
e música.
De algum modo Mack soube que não era um momento para
conversar e que seu tempo com o pai estava passando
rapidamente. Para ele, a nova leveza que sentia era eufórica.
Beijando o pai nos lábios, virou-se e voltou para a pequena colina
onde Sarayu o esperava. Enquanto passava pelas fileiras de
crianças, pôde sentir o toque e as cores delas envolvendo-o
rapidamente e ficando para trás. De algum modo ele já
era conhecido e amado ali.
Quando chegou a Sarayu, ela o abraçou também e ele deixou
que ela o segurasse enquanto continuava a chorar. Quando
recuperou uma leve tranqüilidade, virou-se para olhar de novo a
campina, o lago e o céu noturno. Um silêncio baixou. A
antecipação era palpável. De repente, à direita, saindo da
escuridão, surgiu Jesus e o pandemônio irrompeu. Ele vestia uma
roupa branca e usava na cabeça uma coroa simples de ouro,
mas era, em cada centímetro do seu ser, o rei do universo.
Seguiu pelo caminho que se abriu à sua frente até chegar ao
centro — o centro de toda a Criação, o homem que é Deus e o
Deus que é homem. Luz e cor dançavam e teciam uma tapeçaria
de amor para ele pisar. Alguns choravam, dizendo palavras de
amor, enquanto outros simplesmente permaneciam de mãos
levantadas. Muitos daqueles cujas cores eram as mais ricas e
profundas estavam deitados com o rosto no chão. Tudo
que respirava cantava uma canção de amor e agradecimento sem
fim. Nessa noite o universo era como devia ser.
Quando chegou ao centro, Jesus parou para olhar em volta.
Seus olhos pousaram em Mack, que, parado na pequena colina,
ouviu Jesus sussurrar em seu ouvido:
— Mack, eu gosto especialmente de você. — Foi tudo que
Mack conseguiu suportar enquanto caía no chão dissolvendo-se
numa onda de lágrimas jubilosas. Não podia se mexer, preso no
abraço de Jesus, feito de amor e ternura.
Então ouviu Jesus dizer alto e claro, mas de modo muito
gentil e convidativo: "Venham!"
E eles foram, as crianças primeiro, depois os adultos, cada
um por sua vez, rindo, falando, abraçando-se e cantando com seu
Jesus. O tempo pareceu parar enquanto a dança celestial
prosseguia. E então cada um foi saindo até não restar ninguém, a
não ser as ardentes sentinelas azuis e os animais. Jesus caminhou
entre eles, chamando cada um pelo nome, e então os animais e
seus filhotes voltaram para as tocas, os ninhos e os leitos nas
pastagens.
Por fim estavam novamente sozinhos. O grito selvagem e
assombroso de um mergulhão ecoando sobre o lago pareceu
sinalizar o fim da celebração, e as sentinelas desapareceram ao
mesmo tempo. Os únicos sons que restavam eram os do coro de
grilos e sapos retomando suas canções de culto na margem da
água e nas campinas ao redor.
Sem uma palavra, os três se viraram e retornaram para a
cabana, que de novo se tornara visível para Mack. Como uma
cortina sendo puxada sobre seus olhos, de repente a visão voltou
ao normal. Ele teve uma sensação de perda e de ansiedade e
chegou a ficar um pouco triste, até que Jesus se aproximou, pegou
sua mão e apertou-a para assegurar que tudo era como devia ser.

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