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quarta-feira, 13 de março de 2013

A Cabana- Capítulo 18 – Ondulações se espalhando

A fé nunca sabe aonde está sendo levada, Mas
conhece e ama Aquele que a está levando.
— Oswald Chambers

E finalmente, como se viesse de muito longe, ele escutou uma
voz familiar gritando:
— Ele apertou meu dedo! Eu senti! Juro!
Mack não podia abrir os olhos para ver, mas sabia que Josh
estava segurando sua mão.
Tentou apertar de novo, mas a escuridão o dominou e ele
apagou. Demorou um dia inteiro para recuperar a consciência
outra vez. Mal podia mover outro músculo do corpo. Até mesmo
o esforço para levantar uma única pálpebra parecia avassalador,
mas o movimento foi recompensado por gritos e risos. Uma após
outra, um desfile de pessoas veio até seu único olho entreaberto,
como se estivessem olhando para dentro de um buraco fundo e
escuro que continha algum tesouro incrível. Aquilo que viam
parecia agradá-las tremendamente e elas foram espalhar a notícia.
Alguns rostos Mack reconhecia, e os que não reconhecia, ele
logo ficou sabendo, eram os de seus médicos e das enfermeiras.
Dormia com freqüência, mas parecia que cada vez que abria
os olhos isso causava uma grande empolgação. "Esperem só até eu
poder esticar a língua", pensava, "aí, sim, todo mundo vai ficar
realmente impressionado."
Tudo parecia doer. Todo o corpo reclamava quando um
enfermeiro o virava para a fisioterapia e para impedir as escaras.
Aparentemente esse era um tratamento de rotina para pessoas
que haviam ficado inconscientes por mais de um ou dois dias, mas
saber disso não tornava a coisa mais suportável.
No princípio, Mack não fazia idéia de onde estava nem de
como havia chegado àquela situação. Mal conseguia perceber
quem era. Sentia-se grato pela morfina que tirava o excesso de dor.
Nos dois dias seguintes sua mente foi clareando devagar e
ele começou a recuperar a voz. Num entra-e-sai constante,
familiares e amigos vieram desejar uma recuperação rápida ou
conseguir alguma informação que ninguém sabia dar. Josh e Kate
estavam sempre ali, ocupando-se com o dever de casa, enquanto
Mack cochilava ou respondia às perguntas que nos primeiros dias
ele se fazia repetidamente.
Num determinado ponto, Mack por fim entendeu que ficara
inconsciente durante quase quatro dias depois do acidente terrível
em Joseph. Nan deixou claro que ele tinha de dar muitas
explicações, mas por enquanto estava mais concentrada em
sua recuperação do que na necessidade de respostas. De qualquer
forma, sua memória estava envolta numa névoa e, mesmo que ele
pudesse recordar alguns pedaços, não conseguia juntá-los de
modo a fazer sentido.
Lembrava-se vagamente de ter ido à cabana, mas depois
disso as coisas ficavam turvas. Nos sonhos, as imagens de Papai,
Jesus, Missy brincando junto ao lago, Sophia na caverna e a luz e
as cores do festival na campina voltavam como cacos de um
espelho quebrado. Cada uma era acompanhada por ondas de
deleite e alegria, mas ele não sabia se eram reais ou uma
alucinação provocada por colisões entre neurônios danificados e os
remédios que percorriam suas veias.
Na terceira tarde depois de ter recuperado a consciência
acordou e encontrou Willie encarando-o, parecendo meio sem jeito.
— Seu idiota! — resmungou Willie.
— É um prazer vê-lo também, Willie — bocejou Mack.
— Onde foi que você aprendeu a dirigir? — interpelou Willie.
— Ah, já sei, é um garoto criado em fazenda que não se acostumou
com cruzamentos. Mack, pelo que ouvi dizer, você deveria ter
sentido o bafo do outro cara a um quilômetro de distância.
Mack ficou deitado, olhando o amigo falar sem parar,
tentando ouvir e compreender cada palavra, sem conseguir.
E agora — continuou Willie — Nan está furiosa e não quer
falar comigo. Ela me culpa por ter emprestado o jipe e deixado você
ir à cabana.
— Então por que eu fui à cabana? — perguntou Mack,
lutando para juntar os pensamentos. — Tudo está confuso.
Willie gemeu suplicando.
— Você tem de contar a ela que eu tentei convencê-lo a não
ir.
— Você tentou?
— Não faça isso comigo, Mack. Eu tentei convencer...
Mack sorria enquanto ouvia Willie reclamar. Se as outras
lembranças eram confusas, recordava-se com nitidez de quanto
esse sujeito gostava dele e apreciava tê-lo por perto.
De repente Mack se espantou ao perceber que Willie havia se
inclinado e sussurrava.
— Sério, ele estava lá? — Willie olhou rapidamente ao redor
para se certificar de que não havia ninguém escutando.
— Quem? — sussurrou Mack. — E por que estamos falando
baixo?
— Você sabe, Deus — insistiu Willie. — Ele estava na
cabana?
Mack achou divertido.
— Willie — ele respondeu —, não é segredo. Deus está em
toda parte. Então eu estive na cabana.
— Sei disso, gênio — reagiu Willie impetuosamente. — Não se
lembra de nada? Quer dizer, nem se lembra do bilhete? Você sabe:
o que recebeu do Papai e que estava na sua caixa de correio
quando você escorregou no gelo e bateu com a cabeça.
Foi então que a história desconjuntada começou a se
cristalizar na mente de Mack.
Subitamente tudo fez sentido quando sua mente começou a
ligar os pontos e preencher os detalhes: o bilhete, o jipe, a viagem à
cabana e cada acontecimento daquele glorioso fim de semana. As
imagens e as lembranças começaram a jorrar de volta tão
poderosamente que ele sentiu que elas seriam capazes de arrancálo
da cama e levá-lo para fora deste mundo. Enquanto se
lembrava, começou a chorar.
— Mack, desculpe. — Agora Willie estava implorando. — O
que foi que eu disse?
Mack estendeu a mão e tocou o rosto do amigo.
— Nada, Willie... agora me lembro de tudo. Do bilhete, da
cabana, de Missy, de Papai. Eu me lembro de tudo.
Willie ficou imóvel, sem saber o que pensar ou dizer, com
medo de ter forçado o amigo além do limite. Por fim, perguntou:
— Quer dizer que ele estava lá? Deus estava lá?
E agora Mack ria e chorava.
— Willie, ele estava lá! Ah, ele estava lá! Espere até que eu lhe
conte. Você nunca vai acreditar. Cara, nem eu sei se acredito.
Mack parou, perdido nas lembranças por um momento. —
Ah, é — falou finalmente. — Ele me mandou lhe dizer uma coisa.
— O quê? A mim? — Mack ficou olhando enquanto a
preocupação e a dúvida se estampavam no rosto de Willie. —
Então, o que ele disse?
Mack parou, procurando as palavras.
— Ele falou: diga ao Willie que gosto especialmente dele.
Mack viu o rosto e o maxilar do amigo ficarem tensos e poças
de lágrimas encherem seus olhos. Os lábios e o queixo de Willie
tremeram e Mack soube que o amigo estava se esforçando para
manter o controle.
— Preciso ir — sussurrou Willie, rouco. — Você terá de me
contar isso mais tarde.
Virou-se e saiu do quarto, deixando Mack às voltas com seus
pensamentos e lembranças.
Quando Nan chegou, encontrou Mack sentado e rindo. Como
ele não sabia por onde começar, deixou que a mulher falasse
primeiro. Ela o colocou a par de alguns detalhes do acidente. Ele
quase fora morto por um motorista bêbado e havia passado
por cirurgias de emergência para reparar vários ossos quebrados e
ferimentos internos. Seu estado era grave e, por isso, o seu
despertar aliviara a preocupação.
Enquanto ela falava, Mack pensou que era realmente
estranho sofrer um acidente logo depois de passar um fim de
semana com Deus. O aparente caos aleatório da vida. Não era
assim que Papai tinha dito?
Então ouviu Nan dizer que o acidente havia acontecido na
noite de sexta-feira.
— Não foi no domingo? — perguntou.
— Claro que não! Foi na noite de sexta-feira que trouxeram
você para cá de helicóptero.
As palavras dela o confundiram e por um momento ele se
perguntou se os acontecimentos na cabana teriam sido apenas um
sonho. "Talvez fosse um daqueles deslocamentos temporais de
Sarayu", pensou.
Quando Nan terminou de narrar os acontecimentos, Mack
começou a contar tudo o que lhe havia acontecido. Mas primeiro
pediu perdão, confessando como e por que mentira. Perplexa, Nan
pensou que se tratava dos efeitos do trauma e da morfina.
Toda a história de seu fim de semana — ou do dia, como Nan
repetia — se desdobrou lentamente em várias narrativas. Algumas
vezes os remédios o dominavam e ele caía num sono sem sonhos,
no meio de uma frase. Inicialmente Nan ouviu com paciência e
atenção, tentando suspender ao máximo o julgamento, pensando
que a narrativa dele pudesse ser conseqüência de algum dano
neurológico. Mas a nitidez e a profundidade das lembranças a
tocaram e lentamente foram sola pando sua dúvida. Era
intensamente vivo o que Mack estava contando e ela entendeu
rapidamente que o que quer que tivesse acontecido causara um
enorme impacto e transformara seu marido.
O ceticismo de Nan foi cedendo e finalmente ela concordou
em terem uma conversa com Kate. Mack não quis dizer o motivo, o
que a deixou nervosa, mas decidiu confiar nele. Chamaram a filha
e mandaram Josh se ocupar com alguma coisa, deixando os
três sozinhos.
Mack estendeu a mão e Kate segurou-a.
— Kate — ele começou, com a voz ainda um pouco fraca e
áspera. — Quero que você saiba que eu a amo de todo o coração.
— Eu amo você também, papai.
Vê-lo naquele estado a havia suavizado um pouco.
Ele sorriu, depois ficou sério de novo, ainda segurando a mão
da filha. — Quero falar com você sobre Missy.
Kate deu um repelão para trás, como se tivesse sido picada
por uma abelha, e seu rosto ficou sombrio. Instintivamente tentou
puxar a mão, mas Mack a segurou, o que exigiu um esforço
considerável. Ela olhou ao redor. Nan se aproximou e a envolveu
com o braço. Kate tremia.
— Por quê? — perguntou num sussurro.
— Katie, não foi sua culpa.
Agora ela hesitou, quase como se tivesse sido apanhada num
segredo.
— O que não foi minha culpa?
De novo ele precisou esforçar-se para falar, mas ela ouviu
com clareza.
— Termos perdido Missy.
Lágrimas rolaram pelo rosto de Mack enquanto ele lutava
com essas palavras simples.
De novo Kate se encolheu, dando-lhe as costas.
— Querida, ninguém culpa você pelo que aconteceu.
O silêncio dela durou apenas alguns segundos mais, antes
que a represa transbordasse.
— Mas se eu não fosse descuidada na canoa você não teria
que... — sua voz saiu pesada de acusações.
Mack a interrompeu, pondo a mão em seu braço.
— É isso que estou tentando dizer, querida. Não foi sua
culpa.
Kate soluçou enquanto as palavras do pai penetravam em seu
coração devastado.
— Mas eu sempre achei que fosse minha culpa. E achava que
você e mamãe me culpavam, e eu não queria...
— Nenhum de nós queria que isso acontecesse, Kate.
Simplesmente aconteceu, e vamos aprender a conviver com isso.
Mas vamos fazer isso juntos. Está bem?
Kate não tinha idéia de como reagir. Dominada pela emoção e
soluçando, soltou-se da mão do pai e saiu correndo do quarto.
Nan, com lágrimas descendo pelo rosto, deu um olhar
desamparado mas encorajador para Mack e saiu rapidamente
atrás da filha.
Na vez seguinte em que Mack despertou, Kate estava
dormindo ao seu lado na cama, aninhada e segura. Era evidente
que Nan pudera ajudá-la a superar parte da dor. Quando Nan
percebeu que Mack abrira os olhos, aproximou-se em silêncio para
não acordar a filha e beijou-o.
— Acredito em você — sussurrou e ele sorriu, surpreso ao se
dar conta de como era importante ouvir isso. "Provavelmente eram
os remédios que o estavam deixando assim tão emotivo", ele
pensou.
* * *
Mack melhorou rapidamente nas semanas seguintes. Menos
de um mês depois de receber alta do hospital, ele e Nan ligaram
para o recém-nomeado subxerife de Joseph, Tommy Dalton, para
falar sobre a possibilidade de fazerem uma caminhada outra vez
na área atrás da cabana. Como tudo havia revertido à desolação
original, Mack começara a se perguntar se o corpo de Missy ainda
estaria na caverna. Seria difícil explicar à polícia como sabia onde
o corpo da filha estava escondido, mas Mack achava que o amigo
lhe daria o benefício da dúvida e o ajudaria.
Tommy foi realmente solícito. Mesmo depois de ouvir a
história do fim de semana de Mack, que ele interpretou como
sendo os sonhos e pesadelos de um pai sofredor, concordou em
voltar à cabana. Queria ver Mack, de qualquer modo. Itens
pessoais haviam sido salvos dos destroços do jipe de Willie e
devolvê-los era uma boa desculpa para passarem algum tempo
juntos. Assim, numa manhã límpida de sábado, no início
de novembro, Willie acompanhou Mack e Nan até Joseph. Lá
encontraram Tommy e os quatro se dirigiram para a Reserva.
Tommy ficou surpreso ao ver Mack passar direto pela cabana
e ir até uma árvore perto do início de uma trilha. Tal como
explicara aos outros na vinda, Mack encontrou um arco vermelho
na base da árvore. Ainda mancando ligeiramente, guiou-os numa
caminhada de duas horas pelo terreno ermo. Nan ficou em
absoluto silêncio, mas seu rosto revelava claramente a intensidade
das emoções com as quais batalhava. No caminho
continuaram encontrando o mesmo arco vermelho marcado em
árvores e pedras. Quando chegaram a uma vasta área de
pedregulhos, sem hesitar Mack entrou diretamente no labirinto
de paredes rochosas.
Provavelmente nunca teriam encontrado o lugar exato se não
fosse por Papai. No topo de uma pilha de rochas diante da caverna
estava a pedra com a marca vermelha voltada para fora. A
percepção de que aquilo era obra de Papai levou Mack a quase
rir alto.
Mas encontraram e, quando ficou convencido do que estavam
abrindo, Tommy fez com que parassem. Mack entendeu a
importância do procedimento e, embora um tanto de má vontade,
concordou que deveriam lacrar de novo a caverna para protegê-la.
Retornariam a Joseph, onde Tommy poderia notificar os peritos
legistas e as agências policiais adequadas.
Durante a descida, Tommy ouviu novamente a história de
Mack, dessa vez com uma nova percepção. Também aproveitou
para orientar o amigo sobre o melhor modo de enfrentar os
interrogatórios — que logo viriam.
No dia seguinte os peritos recuperaram os restos de Missy e
guardaram o pano junto com tudo o que puderam encontrar.
Depois disso foram necessárias apenas algumas semanas até
obterem provas para rastrear e prender o Matador de Meninas. A
partir das pistas que o homem deixara para poder encontrar a
caverna de Missy, as autoridades localizaram e recuperaram os
corpos das outras meninas assassinadas.

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