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quarta-feira, 13 de março de 2013

A Cabana- Capítulo 7 – Deus no cais

Rezemos para que a raça humana jamais escape
da Terra para espalhar sua iniqüidade em outros
lugares.
— C. S. Lewis

Mack ficou parado no banheiro olhando o espelho enquanto
enxugava o rosto com uma toalha.
Procurava algum sinal de insanidade naqueles olhos que o
espiavam de volta. Aquilo seria real?
Claro que não, era impossível. Mas então... Estendeu a mão e
tocou lentamente o espelho.
Talvez fosse uma alucinação trazida por todo o seu
sofrimento e desespero. Talvez fosse um sonho e ele estivesse
dormindo em algum lugar, quem sabe na cabana, morrendo
congelado.
Talvez... de repente um estrondo terrível rompeu seu
devaneio. Vinha da direção da cozinha e deixou Mack paralisado.
Por um momento houve um silêncio mortal e
depois, inesperadamente, gargalhadas retumbantes. Curioso, saiu
do banheiro e enfiou a cabeça pela porta da cozinha.
Mack ficou chocado diante da cena. Jesus deixara cair uma
grande tigela com algum tipo de massa ou molho no chão, e a
coisa tinha se espalhado por toda parte. A barra da saia de Papai
e seus pés descalços estavam cobertos pela massa gosmenta.
Sarayu disse alguma coisa sobre a falta de jeito dos humanos e os
três caíram na risada. Por fim, Jesus passou por Mack e
voltou com toalhas e uma grande bacia de água. Sarayu já estava
começando a limpar a sujeira do chão e dos armários, mas Jesus
foi direto até Papai e, ajoelhando-se aos pés dela, começou a
limpar a frente de seu vestido. Gentilmente levantou um pé de
cada vez e colocou os dois na bacia, onde os limpou e massageou.
— Uuuuuh, isso é tãããão bom! — exclamou Papai.
Encostado no portal, Mack não parava de pensar. Então Deus
era assim no relacionamento? Muito linda e atraente! Ele sabia que
ninguém estava em busca do culpado pela sujeira do chão, pela
tigela quebrada ou por um prato que não seria compartilhado. Era
óbvio que o que realmente importava era o amor que eles
sentiam uns pelos outros e a plenitude que esse amor lhes trazia.
Balançou a cabeça. Como isso era diferente da maneira como ele
tratava seus entes queridos!
Embora simples, o jantar foi um banquete. Algum tipo de ave
assada com uma espécie de molho de laranja, manga e alguma
outra coisa, verduras frescas temperadas com sabe-se lá o quê,
com gosto de fruta e de gengibre, e arroz de uma qualidade que
Mack jamais havia provado. Por hábito, abaixou a cabeça para
rezar. Levantou-a e viu os três rindo para ele. Meio sem jeito, disse:
— Ah, obrigado a vocês todos... Alguém pode me passar o
arroz?
— Claro. Nós íamos ter um molho japonês incrível, mas o
sem-jeito ali — Papai acenou na direção de Jesus — decidiu ver se
a tigela quicava.
— Ah, qual é? — respondeu Jesus num arremedo de defesa.
— Minhas mãos estavam escorregadias.
Papai piscou para Mack enquanto lhe passava o arroz.
— Não se consegue bons empregados por aqui.
Todo mundo riu.
A conversa parecia quase normal. Pediram que Mack falasse
de cada um dos filhos, menos de Missy, e ele contou das várias
lutas e conquistas deles. Quando falou de suas preocupações com
Kate, os três apenas assentiram com uma expressão solidária, mas
não ofereceram nenhum conselho. Ele também respondeu a
perguntas sobre os amigos, e Sarayu pareceu mais interessada em
perguntar por Nan. Finalmente Mack conseguiu dizer uma coisa
que o incomodara durante toda a conversa.
— Bom, estou aqui falando sobre meus filhos, meus amigos e
sobre Nan, mas vocês já sabem tudo o que vou dizer, não é? Vocês
estão agindo como se ouvissem pela primeira vez.
Sarayu estendeu a mão por cima da mesa e segurou a dele.
— Mackenzie, lembra-se da nossa conversa anterior sobre
limitação?
— Nossa conversa? — Ele olhou para Papai, que assentiu
como quem sabe das coisas.
— Você não pode compartilhar com um de nós sem que
compartilhe com todos — disse Sarayu e sorriu. — Lembre-se das
muitas vezes em que escolheu sentar no chão para facilitar
um relacionamento, para honrá-lo. Mackenzie, você faz isso
freqüentemente. Você não brinca com uma criança ou colore uma
figura com ela para mostrar sua superioridade. Pelo contrário,
você escolhe se limitar para facilitar e honrar o relacionamento.
Você é até capaz de perder uma competição como um ato de amor.
Isso não tem nada a ver com ganhar e perder, e sim com amor e
respeito.
— Então o que acontece quando estou falando com vocês
sobre meus filhos?
— Nós nos limitamos por respeito a você. Não estamos
trazendo à mente, por assim dizer, nosso conhecimento sobre seus
filhos. Ouvimos como se fosse a primeira vez e temos
enorme prazer em conhecê-los através dos seus olhos.
— Gosto disso — refletiu Mack, recostando-se na cadeira.
Sarayu apertou a mão dele e pareceu se recostar.
— Eu também! Os relacionamentos não têm nada a ver com
poder. Nunca! E um modo de evitar a vontade de exercer poder é
escolher se limitar e servir. Os humanos costumam fazer isso
quando cuidam dos enfermos, quando servem os idosos, quando
se relacionam com os pobres, quando amam os muito velhos e os
muito novos, ou até mesmo quando se importam com aqueles que
assumiram uma posição de poder sobre eles.
— Bem falado, Sarayu — disse Papai, com o rosto luzindo de
orgulho. — Eu cuido dos pratos depois. Mas primeiro gostaria de
ter um tempo para as devoções.
Mack teve de conter um risinho diante da idéia de Deus
fazendo orações. Imagens de devoções familiares de sua infância
vieram se derramar em seu pensamento. E não eram exatamente
boas lembranças.
Com freqüência consistiam em um exercício tedioso de dar as
respostas certas, ou melhor, as mesmas velhas respostas às
mesmas velhas perguntas sobre histórias da Bíblia e depois
tentar ficar acordado durante as orações exaustivamente longas de
seu pai. E, quando o pai tinha bebido, as orações da família
sempre se tornavam um terrível campo minado, onde
qualquer resposta errada ou um olhar distraído provocava uma
explosão. Ficou esperando que Jesus pegasse uma velha versão da
Bíblia.
Em vez disso, Jesus estendeu as mãos sobre a mesa e
segurou as de Papai, com as cicatrizes agora claramente visíveis.
Mack ficou sentado, em extremo fascínio, vendo Jesus beijar as
mãos do Pai, depois olhar fundo nos seus olhos e finalmente dizer:
— Papai, adorei ver como hoje você se tornou completamente
disponível para assumir a dor de Mack e deixar que ele escolhesse
seu próprio ritmo. Você o honrou e me honrou. Ouvir você
sussurrar amor e calma no coração dele foi realmente incrível. Que
alegria imensa ver isso! Adoro ser seu filho.
Embora Mack se sentisse um intruso, ninguém pareceu se
preocupar e, de qualquer modo, ele não tinha idéia de para onde ir.
Presenciar a expressão de tamanho amor parecia
deslocar qualquer entrave lógico e, ainda que ele não soubesse
exatamente o que sentia, era muito bom.
Estava testemunhando algo simples, caloroso, íntimo e
verdadeiro. Isso era sagrado. A santidade sempre fora um conceito
frio e estéril para Mack, mas isso era diferente. Preocupado em não
fazer qualquer gesto que perturbasse aquele momento,
simplesmente fechou os olhos e cruzou as mãos. Ouvindo
atentamente de olhos fechados, sentiu Jesus mexer a cadeira.
Houve uma pausa antes que ele falasse de novo:
— Sarayu — começou Jesus com suavidade e ternura —,
você lava, eu enxugo.
Os olhos de Mack se abriram rapidamente, a tempo de ver os
dois sorrirem afetuosamente um para o outro, pegarem os pratos e
desaparecerem na cozinha. Ficou sentado alguns minutos
sem saber o que fazer. Papai tinha ido a algum lugar e os outros
dois estavam ocupados com os pratos. A decisão foi fácil. Pegou os
talheres e os copos e levou-os para a cozinha. Assim que entrou,
Jesus lhe jogou um pano e, enquanto Sarayu lavava os pratos, os
dois começaram a enxugar.
Sarayu começou a cantarolar uma música evocativa que ele
havia escutado Papai cantar. Mais uma vez a melodia mexeu no
fundo de Mack, despertando lembranças e emoções. Se pudesse
permanecer ouvindo aquela canção, aceitaria ficar enxugando
os pratos pelo resto da vida.
Cerca de 10 minutos depois haviam acabado. Jesus deu um
beijo no rosto de Sarayu e ela desapareceu no corredor. Em
seguida ele sorriu para Mack.
— Vamos ao cais olhar as estrelas.
— E os outros? — perguntou Mack.
— Estou aqui — respondeu Jesus. — Sempre estou aqui.
Mack assentiu. Esse negócio da presença de Deus, embora
difícil de entender, parecia estar penetrando constantemente em
sua mente e em seu coração. Por isso relaxou.
— Vamos — disse Jesus, interrompendo seus pensamentos.
— Sei que você gosta de olhar as estrelas! — Parecia uma criança
cheia de ansiedade e expectativa.
— É, acho que gosto — respondeu Mack, percebendo que a
última vez em que fizera isso fora na maldita viagem com as
crianças. Talvez tivesse chegado a hora de correr alguns riscos.
Seguiu Jesus, saindo pela porta dos fundos. Nos momentos
finais do crepúsculo, Mack podia ver a margem rochosa do lago,
não cheia de mato alto como ele recordava, mas lindamente
cuidada e perfeita como uma pintura. O riacho ali perto parecia
cantarolar algum tipo de música. Projetando-se cerca de 15 metros
sobre o lago havia um cais e Mack mal conseguiu vislumbrar três
canoas amarradas nele. A noite ia caindo depressa e a escuridão
distante já estava cheia dos sons de grilos e sapos. Jesus pegou-o
pelo braço e guiou-o pelo caminho enquanto seus olhos se
ajustavam, mas Mack já estava olhando para uma noite sem luar,
com o espanto das estrelas emergindo.
Chegaram ao meio do cais e se deitaram de costas, olhando
para cima. A altitude do lugar parecia ampliar o céu e Mack
adorou ver a imensidão do espaço tão claramente estrelada. Jesus
sugeriu que fechassem os olhos por alguns minutos, permitindo
que os últimos clarões do crepúsculo desaparecessem. Mack
obedeceu e, quando finalmente abriu os olhos, a visão foi tão
poderosa que por alguns segundos ele experimentou uma
espécie de vertigem. Era quase como se estivesse caindo no
espaço, com as estrelas correndo em sua direção para abraçá-lo.
Levantou as mãos imaginando que podia colher diamantes, um a
um, de um céu de veludo negro.
— Uau! — exclamou.
— Incrível! — sussurrou Jesus, com a cabeça perto da de
Mack no escuro. — Nunca me canso de ver isso.
— Mesmo que você tenha criado?
— Eu criei quando era o Verbo, antes que o Verbo se tornasse
Carne. De modo que, mesmo tendo criado tudo isso, agora vejo
como humano. E acho impressionante!
— É mesmo. — Mack não sabia como descrever o que sentia,
mas enquanto continuavam deitados em silêncio, olhando o
espetáculo celestial num espanto reverente, observando e ouvindo,
soube em seu coração que isso também era sagrado.
Estrelas cadentes ocasionais chamejavam numa trilha breve
cortando o negrume da noite e fazendo um ou outro exclamar:
— Viu aquilo? Que maravilha!
Depois de um silêncio particularmente longo, Mack falou:
— Eu me sinto mais confortável perto de você. Você parece
muito diferente delas.
— Como assim, diferente? — a voz suave de Jesus emergiu da
escuridão.
— Bom. — Mack fez uma pausa enquanto pensava. — Mais
real ou palpável. Não sei. — Lutou com as palavras e Jesus ficou
deitado em silêncio, esperando. — É como se eu sempre tivesse
conhecido você. Mas Papai não é nem um pouco o que eu esperava
de Deus e Sarayu é muito estranha.
Jesus deu um risinho no escuro.
— Como eu sou humano, nós temos muito mais em comum.
— Mas, mesmo assim, não entendo...
— Eu sou o melhor modo que qualquer humano pode ter de
se relacionar com Papai ou com Sarayu. Me ver é vê-las. E,
acredite, Papai e Sarayu são tão reais quanto eu, embora, como
você viu, de maneiras muito diferentes.
— Por falar em Sarayu, ela é o Espírito Santo?
— É. É Criatividade, é Ação, é o Sopro da Vida. E é muito
mais. Ela é o meu Espírito.
— E o nome dela, Sarayu?
— É um nome simples de uma das nossas línguas humanas.
Significa "Vento", na verdade um vento comum. Ela adora esse
nome.
— Humm — resmungou Mack. — Não há nada de muito
comum nela!
— Isso é verdade.
— E o nome que Papai mencionou, El... Elo...
— Elousia — disse a voz reverentemente no escuro, ao lado
dele. — Esse é um nome maravilhoso. El é meu nome como Deus
Criador, mas ousia é "ser", ou "aquilo que é verdadeiramente real",
de modo que o nome significa "o Deus Criador que
é verdadeiramente real e a base de todo o ser". Isso é que é um
nome bonito!
Houve silêncio por um minuto enquanto Mack pensava no
que Jesus havia dito.
— Então onde é que isso nos deixa?
Ele sentia como se estivesse fazendo a pergunta em nome de
toda a raça humana.
— Bem, onde vocês sempre se destinaram a estar. No próprio
centro do nosso amor e do nosso propósito.
De novo uma pausa e depois:
— Acho que posso viver com isso.
Jesus deu um risinho.
— Fico feliz em saber — e os dois riram. Ninguém falou por
um tempo. O silêncio havia baixado como um cobertor e tudo de
que Mack tinha realmente consciência era do som da água batendo
no cais. Novamente ele rompeu o silêncio.
— Jesus?
— O que é, Mackenzie?
— Estou surpreso com uma coisa em você.
— Verdade? O quê?
— Acho que eu esperava que você fosse mais... — Cuidado aí,
Mack. — Ah... bem, humanamente marcante.
Jesus riu.
— Humanamente marcante? Quer dizer bonito? — Agora ele
estava gargalhando.
— Bom, eu estava tentando evitar dizer assim, mas é. De
algum modo achei que você seria o homem ideal, você sabe,
atlético e de uma beleza avassaladora.
— Ê o meu nariz, não é?
Mack não soube o que dizer.
Jesus riu.
— Eu sou judeu, você sabe. Meu avô materno tinha um
narigão. Na verdade, a maioria dos homens do meu lado materno
tinha nariz grande.
— Só pensei que você teria uma aparência melhor.
— De acordo com que padrão? De qualquer modo, quando
você me conhecer melhor, isso não vai importar.
Mesmo ditas com gentileza, as palavras machucaram.
Machucaram o quê, exatamente? Mack ficou deitado por alguns
segundos e percebeu que, por mais que pensasse que conhecia
Jesus, talvez não conhecesse... ou conhecesse mal. Talvez o
que conhecesse fosse um ícone, um ideal, uma imagem através da
qual tentava captar um sentimento de espiritualidade, mas não
uma pessoa real.
— Por que isso? — perguntou finalmente. — Você disse que,
se eu o conhecesse de verdade, sua aparência não importaria...
— Na verdade é bem simples. O ser sempre transcende a
aparência. Assim que você começa a descobrir o ser que há por
trás de um rosto muito bonito ou muito feio, de acordo com seus
conceitos e preconceitos, as aparências superficiais somem
até simplesmente não importarem mais. Por isso Elousia é um
nome tão maravilhoso. Deus, que é a base de todo o ser, mora
dentro, em volta e através de todas as coisas, e emerge em última
instância como o real. Qualquer aparência que mascare essa
verdade está destinada a cair.
Seguiu-se um silêncio enquanto Mack refletia sobre o que
Jesus havia dito. Desistiu depois de apenas um ou dois minutos e
decidiu fazer a pergunta mais arriscada.
— Você disse que eu não o conheço de verdade. Seria muito
mais fácil se pudéssemos sempre conversar assim.
— Admito, Mack, que essa conversa é especial. Você estava
realmente travado e nós queríamos ajudá-lo a se arrastar para fora
da dor. Mas não fique achando que porque não sou visível nosso
relacionamento precise ser menos real. Será diferente, talvez até
mais real.
— Como assim?
— Meu propósito, desde o início, era viver em você e você
viver em mim.
— Espere, espere. Espere um minuto. Como isso pode
acontecer? Se você ainda é totalmente humano, como pode estar
dentro de mim?
— Espantoso, não é? É o milagre de Papai. É o poder de
Sarayu, meu Espírito, o Espírito de Deus que restaura a união que
foi perdida há tanto tempo. Eu? A cada momento eu escolho viver
totalmente humano. Sou totalmente Deus, mas sou humano até o
âmago. Como eu disse, é o milagre de Papai.
Mack estava deitado no escuro ouvindo com atenção.
— Você está falando de uma moradia real e não somente de
uma questão teológica?
— Claro — respondeu Jesus com a voz forte e segura. — O
humano, formado a partir da criação material e física, pode ser
totalmente habitado pela vida espiritual, a minha vida. Isso exige
a existência de uma união muito real, dinâmica e ativa.
— É quase inacreditável! — exclamou Mack baixinho. — Eu
não fazia idéia. Preciso pensar mais nisso. Mas talvez eu tenha
outro monte de perguntas.
— E temos toda a sua vida para respondê-las — riu Jesus. —
Mas por enquanto chega disso. Vamos nos perder de novo na noite
estrelada.
No silêncio que se seguiu, Mack simplesmente ficou parado,
permitindo que a enormidade do espaço e da luminosidade esparsa
o fizesse sentir-se pequeno, deixando suas percepções
serem capturadas pela luz das estrelas e pela idéia de que tudo
tinha a ver com ele... com a raça humana... que toda aquela
magnífica criação era para a humanidade. Depois do que pareceu
um longo tempo, Jesus rompeu o silêncio.
— Nunca vou me cansar de olhar para isso. A maravilha de
tudo, o esbanjamento da Criação, como disse um dos nossos
irmãos. Tão elegante, tão cheia de desejo e beleza, mesmo agora.
— Sabe — reagiu Mack, novamente abalado pelo absurdo da
situação, pelo lugar onde estava, pela pessoa ao seu lado —,
algumas vezes você parece tão... quero dizer, aqui estou eu, perto
de Deus Todo-Poderoso, e na verdade você parece tão...
— Humano? — sugeriu Jesus. — Mas feio. — E começou a
rir, primeiro baixinho e contido, depois às gargalhadas. Era
contagioso e Mack deixou-se levar num riso que vinha de algum
lugar bem no fundo. Não ria a partir daquele lugar havia muito
tempo.
Jesus estendeu a mão e o abraçou, sacudido por seus
próprios espasmos de riso, e Mack se sentiu mais limpo, vivo e
bem desde... bom, não conseguia se lembrar desde quando.
Os dois acabaram se aquietando e o silêncio da noite se
impôs mais uma vez. Mack ficou parado, se dando conta da culpa
por estar se divertindo e rindo. Mesmo no escuro, sentiu a Grande
Tristeza chegar e encobri-lo.
— Jesus? — sussurrou com a voz embargada. — Eu me sinto
muito perdido.
Uma mão se estendeu e ficou apertando a sua.
— Eu sei, Mack. Mas não é verdade. Lamento se a sensação é
essa, mas ouça com clareza: você não está perdido.
— Espero que você esteja certo — respondeu Mack, com a
tensão afrouxada pelas palavras do amigo recém-encontrado.
— Venha — disse Jesus, levantando-se e estendendo a mão
para Mack. — Você tem um grande dia pela frente. Vou levá-lo
para a cama.
— Passou o braço pelo ombro de Mack e juntos andaram
para o chalé. De repente, Mack sentiu-se exausto. O dia fora longo.
Talvez acordasse em casa, na sua cama, depois de uma noite de
sonhos vividos. Mas em algum lugar dentro de si esperava estar
errado.

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